Imagens: Audaces/Geradas por IA
Algoritmos e Estilo: o papel da IA no futuro da moda
Dos memes nas redes sociais ao diagnóstico precoce de doenças como o câncer, a inteligência artificial já é parte do nosso cotidiano. Com a popularização de ferramentas de IA generativa para criação de imagens, textos e outros tipos de mídia, a busca pelo termo atingiu o pico de popularidade em julho de 2023, segundo dados do Google Trends. Essas tecnologias, que embora tenham começado a dar os primeiros passos ainda na década de 1950 estejam em sua melhor forma atualmente, ganharam espaço e prometem revolucionar a forma de produzir em diversas indústrias, com a moda não seria diferente.
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Mas o que exatamente é a inteligência artificial? Trata-se de um campo da ciência da computação que cria sistemas com capacidade de aprendizado, raciocínio e tomada de decisão a partir de algoritmos alimentados por dados. Ou simplesmente, segundo a PUCRS, é a habilidade de máquinas “raciocinarem” como seres humanos. Um dos vieses mais populares da inteligência artificial é o de machine learning (aprendizado da máquina, em tradução literal), ou seja, os dados que alimentam os algoritmos contribuem para que a própria ferramenta se aprimore e os resultados sejam cada vez melhores. Esse é um dos pilares do desenvolvimento de ferramentas de IA, e um dos motivos para que elas estejam perceptivelmente evoluindo muito na atualidade.
Na moda, as oportunidades de uso de tecnologias de inteligência artificial são diversas, indo desde a concepção de uma peça até a personalização de recomendações de produtos em e-commerces, por exemplo. A multinacional ítalo-brasileira Audaces lançou em 2024 a ferramenta Audaces SOFIA, uma IA generativa voltada para o campo da criação de moda que garante transformar o jeito de criar. Com a possibilidade de utilizá-la nos sistemas IDEA e Fashion Studio, o cliente pode gerar estampas, desenhos vetoriais, bem como criar versões realistas de seus próprios desenhos técnicos ou 3D.
O uso para a criação de estampas é focado principalmente no planejamento e criação da peça, ou seja, para que o usuário possa ter uma melhor visualização do que será produzido. Nesse sentido, a IA pode servir também para auxiliar na comunicação interna sobre o modelo proposto, já que, ao enviar um comando como “estampa de margaridas azuis sobre fundo laranja”, por exemplo, o estilista pode deixar claro o tecido que será utilizado na confecção daquele modelo, facilitando a organização do trabalho das demais áreas.
A geração de imagens realistas, de modo semelhante, contribui para que seja possível criar uma prévia a partir do desenho do que se espera que seja o resultado da peça após confeccionada, dessa vez com relação a caimentos e volumes da modelagem. Isso porque tanto no Idea quanto no Fashion Studio a SOFIA insere os efeitos de tecido no modelo conforme o desenho criado e também o texto inserido no prompt.
Essas ferramentas, além de auxiliarem na comunicação entre a equipe, favorecem também um fluxo de trabalho com menos erros e desperdício de materiais e, por consequência, mais econômico.
A sustentabilidade também é um dos valores que chamam atenção para a implementação dessas tecnologias na produção, ainda que os pontos de vista sobre o tema variem. De um lado, a própria existência de data centers para o armazenamento dos servidores de IA são fatores preocupantes no quesito poluição por produzirem lixo eletrônico em massa. Por outro lado, o sucesso do uso delas pode acarretar uma redução na produção de lixo por parte da indústria da moda, que é notoriamente uma das mais poluentes. A Audaces, já consolidada no mercado pelos sistemas de modelagem, criação, gerenciamento de coleção e máquinas para a produção, enxerga na digitalização dos processos uma brecha para essa redução de desperdício. Isso porque, com a utilização de softwares em todo o processo é possível criar modelos com cada vez mais assertividade, reduzindo erros, retrabalho, quantidade de peças piloto e, consequentemente, materiais descartados.
Além da questão ambiental, a ética também é outro fator que causa muita discordância quando o assunto é inteligência artificial. Em alguns países, a IA é regulamentada por lei para garantir que não seja utilizada para fins ilegais, propagação de fake news ou apropriação de imagens com direitos autorais. No Brasil há, até o momento da redação da revista, um projeto de lei em análise no Senado Federal para que tenha-se medidas que regulamentem essas tecnologias em todo o território nacional.
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Conversamos com a Product Owner do projeto na Audaces e também mestranda do PPG Moda da UDESC, Natali Neis, para entender melhor sobre os processos do desenvolvimento da SOFIA:
OCTA MAG: Existe uma grande discussão sobre a função da inteligência artificial na indústria, se há ou não a possibilidade desse tipo de ferramenta substituir os profissionais da área. Qual a sua visão sobre isso?
Natali Neis: Muito dessa discussão vem do medo por justamente talvez não conhecer o potencial da ferramenta. Quando a internet surgiu também teve esse medo e uma certa resistência por não saber o que significava. A inteligência artificial chegou para otimizar o trabalho e não para substituir, até porque ela sempre vai precisar de um comando humano para que ela possa fazer o seu trabalho. Ela não é autônoma, digamos assim, mas sim ela traz respostas mais rápido e de uma forma mais consolidada. O que faz é auxiliar o trabalho das pessoas, mas não substituir.
OCTA MAG: Como profissional de tecnologia e também mestranda em moda, quais as maiores dores que você acredita que a IA da Audaces pode solucionar no cotidiano dos clientes?
NN: A inteligência artificial da Audaces, que a gente chama de SOFIA, existe em alguns dos nossos softwares e tem funções diferentes, então ela se adapta à necessidade do usuário daquele software, por exemplo, no IDEA, a SOFIA transforma um desenho técnico, um desenho 2D em uma versão realista, então isso facilita muito a comunicação entre os setores, e você, a partir de um desenho, já consegue visualizar como aquela peça vai ficar depois de pronta, como se fosse uma foto do futuro. Já no Fashion Studio, que é uma ferramenta de criação em 3D, você representa aquele modelo como quer e consegue ter variações de estampas geradas por IA, ter variações do modelo e também consegue até ter uma visualização de como ficaria esse modelo na passarela com um efeito realista, com um modelo realista, então eu consigo já comunicar com a ponta, inclusive eu posso publicar num e-commerce ou nas minhas redes sociais uma peça como se fosse pronta, sem nunca nem ter feito ainda a protótipo dessa peça, então isso permite que o lead time de um produto seja mais curto, visto que consigo mostrar para o cliente antes mesmo de confeccionar essa peça.
OCTA MAG: Quais os maiores desafios que você enxerga na implementação dessas ferramentas nas empresas de moda?
NN: Referente aos maiores desafios para a implementação desse tipo de ferramenta nas indústrias, provavelmente a resistência ao que é novo. Geralmente, novas tecnologias precisam ser implementadas primeiro em empresas que tenham um perfil de early adopter, de inovação, que estejam abertos. Com o fato da indústria ter um cronograma bastante apertado e processos muito bem determinados para as coisas fluírem e serem entregues num período de tempo, muitas vezes não há espaço para inovação. Isso é mais possível em empresas que têm um núcleo de inovação, justamente para essas experimentações acontecerem fora do ambiente de produção. Então, seria esse o maior desafio. Encontrar empresas que tenham esse respiro para implementar, para tentar, para testar e ver os resultados que uma nova tecnologia como a implementação de IA no processo produtivo pode otimizar as entregas e talvez até propor novos esquemas de linha de produção com essas inovações.
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OCTA MAG: Muito se discute também sobre a regulamentação dessas tecnologias em vários países, ainda que no Brasil não tenhamos um órgão responsável por isso, há no desenvolvimento da SOFIA uma preocupação com a questão de ética do uso da IA?
NN: Sim, a inteligência artificial por si só já tem algumas limitações quando, para evitar o plágio, por exemplo, se eu peço a inspiração em algum artista ou peço a imagem de alguma pessoa que tem sua imagem registrada, é bem mais difícil de conseguir isso com exatidão. A SOFIA, dentro da Audaces, nós também tomamos todo cuidado para que não seja reproduzido nenhum tipo de imagem que possa ofender ou gerar imagens indesejadas dentro da nossa ferramenta. Isso é algo que foi bastante analisado internamente e a gente libera uma ferramenta segura de que o que é apresentado pela SOFIA está de acordo com as normas éticas e morais.
OCTA MAG: Em que sentido você acredita que a utilização da inteligência artificial pode contribuir para uma indústria de moda mais sustentável?
NN: A inteligência artificial, quando bem utilizada, pode otimizar um processo, então, desde o início da criação, ela já pode auxiliar mostrando como vai ficar uma peça pronta, assim eu reduzo matéria-prima, consumo de matéria-prima, horas de trabalho. Aí eu já tenho um resultado muito mais sustentável, que não exige o consumo de recursos naturais de matéria-prima. O fato de eu poder mostrar o meu produto com uma visualização realista para o meu cliente final, permite que eu venda antes de produzir, evitando um número muito grande de peças em estoque, por exemplo. Claro que tudo isso precisa de uma reformulação no processo produtivo da indústria tradicional, que hoje é linear. Se baseia em extração, produção, consumo e geração de resíduos. Quando existe um inventário de estoque sobrecarregado é considerado resíduo. Então, a possibilidade de mostrar para o meu cliente a peça, como ela vai ficar antes de produzir, permite que eu possa produzir o número exato de acordo com as vendas muito mais assertivo e com muito menos resíduo no final das contas.