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O culto do self-improvement, individualismo e a solidão nos 20 e poucos anos

por Ana Viana

Modelo: Julia Losankas (Ford). Styling: Maria Clara Cardoso, Iara, Julia Dora e Nivea (2a fase). Make: Lu Medeiros. Foto: Caio Cézar, tratamento Breno Cardoso.

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“Sexta-feira eu não saio mais, estou treinando para uma meia maratona e tenho que correr todo sábado às 6h30 da manhã”. “Desculpa amiga, não vai dar para jantar com você eu to na fase do cutting”. “No domingo preciso me organizar, porque durante a semana tenho spinning, academia, trabalho, faculdade, aula de francês e meu curso de escrita criativa”.

 

“Amiga, eu não saio durante a semana e preciso protect my peace”. “Não posso tomar drinks com vocês depois do trabalho, estou fazendo higiene do sono”. “Você já ouviu falar na skincare coreana de 10 passos?” “Nas quintas-feiras eu tomo meu banho premium”.

 

Uma vida saudável e equilibrada sempre foi e sempre será, para a nossa sociedade, um sinônimo de felicidade. Acordar cedo, praticar exercícios, se alimentar bem, manter uma boa higiene e sempre estar estimulando seu cérebro me parece uma ótima base para uma rotina sustentável e agradável. Mas o que acontece quando a incessante busca por uma vida perfeitamente limpa se torna uma obsessão? Eventos calamitosos como a pandemia do Covid-19 marcaram a população brasileira e mundial com níveis de ansiedade e insegurança que fizeram a recuperação do controle, principalmente em relação à saúde, ser essencial em nossas vidas, portanto, me parece natural que os seres humanos gravitem para uma vida mais regrada após um momento de desespero e incertezas.

Entretanto, a necessidade de uma rotina mais rígida em relação a saúde, treinos e alimentação não foi a única repercussão coletiva dos tempos sombrios da pandemia. Uma pesquisa realizada pela American Psychological Association mostra que, nos 34 países nos quais os estudos foram conduzidos, todos eles registraram um aumento da solidão na população, principalmente entre os mais jovens, após a pandemia do Covid-19. Dados como esses são preocupantes, pois uma população solitária é uma população mais propensa à depressão, ansiedade, doenças cardiovasculares e até expectativa de vida reduzida.

 

Além disso, o senso de comunidade da nossa geração, apenas por questões organizacionais da sociedade, vive sob constante ameaça devido à cada vez mais crescente escassez dos terceiros lugares. O terceiro lugar é um termo criado pelo sociólogo americano Ray Oldenburg, para denominar locais de baixo custo ou gratuitos existentes dentro de uma cidade destinados à interação e conexão social democrática entre civis. Praças, cafeterias, livrarias e bibliotecas serviram durante muito tempo como um espaço comum para encontrar conhecidos, amigos ou colegas de maneira espontânea, sem programação antecipada. Em decorrência da dificuldade de se manter vivo um local acessível devido à crise econômica, a constante negligência governamental direcionada aos espaços públicos e a redução na mobilidade urbana, visto que os grandes centros têm majoritariamente priorizado carros e veículos privados, a existência de terceiros lugares está sob ameaça. Como resultado, o único lugar gratuito e de fácil acesso de interação social está nas palmas das nossas mãos, prontinho para nos vender a solução contra o nosso sufocante sentimento de isolamento.

 

Se colocarmos tudo isso em um papel temos uma equação problemática e que se retroalimenta, segundo a Universidade de Chicago, a solidão contribui diretamente com o egocentrismo e vice e versa, eles escrevem “A descoberta de que a solidão tende a aumentar o egocentrismo se ajusta à interpretação evolutiva da solidão. Do ponto de vista da biologia evolutiva, as pessoas têm de se preocupar com os seus próprios interesses. As pressões da sociedade moderna, no entanto, são significativamente diferentes daquelas que prevaleceram quando a solidão evoluiu na espécie humana, descobriram os investigadores.”

Logo, observa-se uma geração crescentemente mais autocentrada e solitária, e qual é o refúgio perfeito para quem se sente só e está ativamente procurando por uma maneira milagrosa de aumentar sua performance, seja na vida profissional, na faculdade ou na academia, para que finalmente sejamos indubitavelmente aceitos e pertencentes em nossa sociedade? Isso mesmo a nossa maior e mais lucrativa ferramenta de buscas e vendas, a internet.

 

Segundo a Global Wellness Institute, o mercado global de wellness (bem-estar) movimentou cerca de 5,9 trilhões de dólares no período de 2020 a 2022, com aumento de 12% se comparado com os anos anteriores. A informação que o capitalismo está constantemente se reinventando para se ajustar ao padrão de comportamento dos indivíduos já está presente no nosso consciente coletivo, mas por que é tão difícil de desviar das suas manobras no momento de ataque? Todo esse dinheiro movimentado carrega consigo uma promessa de vida melhor, se alimentando das inseguranças e insatisfações pessoais de cada indivíduo, afinal, na visão deturpada atual é impossível começar a correr se você não tiver um tênis de corrida com duplo amortecimento ou começar a malhar sem tomar o seu café superfaturado de pré treino e seu Whey de morango de pós.

 

Em um mundo em que o mercado e o senso comum nos encaminha para a autopreservação, o auto-aperfeiçoamento e o individualismo, reservar um tempo para cultivar sua comunidade é um ato revolucionário e anticapitalista. Olhar para o coletivo, ao invés do individual fortalece os seus laços com os outros e te obriga a fazer parte de algo maior, um encontro semanal com seus amigos ou familiares pode te trazer um bem-estar que nenhuma aula de spinning sonhou em oferecer.

 

Dar risadas, jogar conversa fora, conversar sobre seus projetos pessoais ou sobre suas derrotas, clareiam a mente e proporcionam uma visão menos estreita das suas questões, não é sozinho que se constrói uma história. Veja bem, não estou falando para deixar de lado a sua saúde física e mental para aproveitar frivolamente a vida boêmia, mas sim para ficarmos atentos ao que nos está sendo vendido e alimentado diariamente nas redes sociais e que a uma vida equilibrada demanda que nós vivamos como indivíduos bem estabelecidos em sociedade, logo aguar o seu jardim significa que as vezes você também vai precisar cortar a grama do vizinho.

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