top of page

Maria
das Rendas

Para além de uma técnica artesanal, a renda de Bilro é um pedaço do passado que transcende gerações e culturas.

por Thiago Strozak

A técnica trazida pelos açorianos, ainda em tempos coloniais, e adaptada pelas mulheres da região à sua própria cultura e ambiente, cria uma forma distinta de renda de bilro emblemática de Florianópolis. Esse Fazer manual se faz presente em todos os cantos da ilha, apesar dos desafios encontrados pelo caminho.

 

As histórias de quatro mulheres que, cada uma à sua maneira, encontraram na renda um propósito, é um exemplo de como as laçadas e pontos se cruzam não apenas nos fios do bilro, mas nas vidas de cada uma delas. É o Fazer que vem da tradição, do ‘gostar’ e da criação de comunidade e pertencimento entre si. Dentre elas, Dona Maria, conhecida artisticamente como Maria das Rendas, é uma das guardiãs da tradição da renda de bilro, cuja história sintetiza o compromisso com essa arte. E assim é transmitida para suas alunas Marlene, Cristina e Eliete.

Para Marlene, a renda de bilro entrou em sua vida através de outra paixão, o bordado. Ouviu falar do curso de renda de bilro da UDESC em um curso de bordado livre na Biblioteca Pública de Florianópolis. Vinda de São Paulo, renda se tornou uma paixão recente, mas profunda em sua vida. Para ela, aprender a fazer a renda significa preservar parte essencial da cultura da ilha, uma tradição que tem enfrentado desafios para sobreviver.

 

“Eu acho bonita a renda de bilro,é uma arte. Esses dias eu fui lá no centro e tinha uma saída de banho com a renda de bilro muito linda e falei ‘um dia eu vou fazer isso aí’. "

 

Cristina teve o crochê e o tricô presentes em sua vida desde pequena, heranças de sua avó paterna e de sua mãe, respectivamente. Quando chegou em Florianópolis nos anos 1980, viu no trabalho das rendeiras de bilro da Lagoa da Conceição uma forma de se conectar ainda mais com a cultura local e com seu amor pelas práticas manuais com fios. Hoje, ela acredita na valorização da renda de bilro, e traz à luz a importância do apoio de instituições como a Fundação Franklin Cascaes e a disponibilidade de cursos abertos à comunidade na UDESC.

“Onde tem renda eu vou estar. Eu vou no Sambaqui, no Centro, na UDESC, eu busco sempre estar envolvida com quem trabalha com renda. ”

Eliete, uma manezinha nascida em uma família de rendeiras, sempre admirou a renda de bilro feita pelas mães e pelas tias. Ao dedicar-se profissionalmente à área da saúde, como enfermeira, pouco tempo restou para a renda. Foi apenas em 2019, ao se aposentar, que decidiu revisitar sua paixão pela renda ao saber do curso de renda de bilro da UESC, através do rádio. Ela também vê na renda uma conexão com suas raízes, sua família e sua cidade. Sua mãe, hoje com 94 anos, não consegue ensiná-la a arte da renda, mas nos momentos de encontro entre as duas em meio aos bilros enrolados, Eliete revisita memórias de infância. Para ela, a renda de bilro é uma cultura que merece ser preservada e compartilhada com as gerações futuras.

 

Aliando suas paixões pela renda e pela saúde, Eliete sonha em criar um projeto que traga a renda de bilro como terapia ocupacional. Ela descreve o fazer da renda como um momento terapêutico “Quando tu começa a aprender mesmo, que pegou o jeitinho, o barulho do bilro acaba sendo terapêutico ‘taque, taque, taque, taque’”.

“Eu penso, daqui pra frente, me aperfeiçoar e fazer meus desenhos. Não para comércio, mas pra eu mesma usar, dar de presente e até ensinar a cultura.”

 

Maria da Silva Santos, conhecida como Maria das Rendas, é uma das guardiãs da tradição da renda de bilro em Florianópolis. Ao entrar em sua casa, percebemos que Maria vive e respira renda de bilro. Está nos objetos de decoração, nas paredes e até mesmo em seu lustre. Ela conta sobre como começou a fazer renda, ainda com seis anos, uma testemunha viva de uma época onde a renda de bilro era fonte essencial para a sobrevivência familiar. Ela lembra quando sua mãe colocava uma esteira feita de talo de bananeira debaixo do pé de café, onde as filhas fariam as rendas em meio a cantorias.

 

Sua história é um testemunho inspirador de dedicação e amor à renda de bilro, e seu compromisso com a preservação desta arte é uma luz guia. Ela leva a arte da renda para além do usual, sua criatividade ao aplicar rendas em roupas, bolsas, chapéus, acessórios e quadros a consagra como a artista que é. Também menciona momentos em que se pega perguntando “É tu mesmo Maria? Será que é tu mesma que faz essas coisas?”.

 

Maria das Rendas é a personificação da riqueza cultural que a renda representa para a ilha de Florianópolis. Ela relata encontrar sua felicidade e força para continuar ao ensinar aos outros a renda, pois nas palavras da mesma este é seu “viver”. Assim ela afirma não poder deixar os bilros, mas deseja crescer ainda mais com seu trabalho e transmiti-lo para cada vez mais pessoas.

 

“É bom pra tua alma passar o que tu sabe pras pessoas que ainda não sabem. E a moda pra mim é tudo, é renda. É um orgulho. ”

Para Maria das Rendas, Marlene, Eliete e Cristina, a renda é uma paixão, uma conexão com o passado e um compromisso de preservar uma tradição valiosa. Enquanto enfrentam os desafios de preservar uma cultura que está lentamente desaparecendo, essas mulheres são agentes de mudança, compartilhando suas experiências e conhecimentos com a próxima geração, garantindo que a renda de bilro continue a ser uma parte viva e vibrante da ilha de Florianópolis.

 

Maria das Rendas, em especial, ilumina o caminho com sua dedicação inabalável em guardar a tradição da renda, mantendo a chama da cultura acesa para as gerações futuras. Pois, nas palavras de Antônio Cícero, Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: Para guardá-lo. E por isso Dona Maria faz renda e ensina a rendar: para guardar a tradição da renda de Bilro viva.

bottom of page