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Moda e música: percepções sobre uma relação artística que reflete as mudanças temporais e socioculturais do contemporâneo.

As relações entre moda e música são de longa data. No entanto, na era da efemeridade absoluta, essa relação se transforma e reflete o espírito do tempo em que vivemos.

por Arthure Giraldo

Artistas musicais – seja nas eras do rock glamoroso de Elvis Presley, ou o reinado de Michael Jackson e Madonna na música pop, a elegância incontestável de Erykah Badu ou a performatividade revolucionária de ícones da música brasileira como Ney Matogrosso e Rita Lee – encontraram na construção de suas personas, suas imagens públicas, através dos signos da moda, uma forma de expandir e perdurar seus legados. Artistas que marcaram gerações com carreiras que se estenderam por décadas ou que continuam produzindo arte.

 

Além disso, sendo essa relação uma via de mão dupla, na qual artistas usam da moda para fortalecer suas narrativas, eles acabam, por consequência, sendo influenciadores diretos de tendências e comportamentos que fazem parte dessa indústria. As “eras”, como são popularmente conhecidas as temporalidades da discografia dos artistas, ou seja, o tempo de vigência de um álbum, são fortemente marcadas pelas variações estéticas, que reforçam a compreensão da mensagem sendo passada. E são nessas marcações temporais que artistas conseguem revolucionar comportamentos de consumo, influenciando diretamente seus fãs.

 

No entanto, uma questão que muda cada vez mais drasticamente nessa relação é a percepção do tempo. Se nos tempos áureos da MTV, nos anos 1980 e 1990, na qual vídeos eram reproduzidos repetidas vezes durante meses, e consequentemente perduravam a sobrevivência de referências visuais, que se estabeleciam no imaginário coletivo da cultura jovem, hoje vivemos a temporalidade das redes sociais, em que artistas dissipam sua mensagem através de algoritmos nas mídias sociais, com foco na viralização instantânea, na qual, o tempo de vida de um projeto pode ser tão breve quanto um TikTok de 15 segundos.

Se nos anos 1990 George Michael fez história ao chamar o quarteto das supermodelos Naomi Campbell, Linda Evangelista, Christy Turlington e Cindy Crawford para o clipe de “Freedom’ 90”, que depois desfilaram na passarela de Gianni Versace ao som do sucesso musical e deixariam sua marca na indústria por anos, sendo lembradas até hoje. Ou até mesmo quando Madonna foi excomungada da Igreja Católica pelo clipe de Like a Prayer em 1989. É difícil conseguir perceber no contemporâneo marcos que pareçam ter tamanha longevidade. A dissipação do conteúdo musical acompanha também a aceleração do ritmo da indústria da moda. Não só vivemos a era da “tiktokização” das coisas, onde nada dura, e pouco parece ser feito com real embasamento. Também vivemos a era do consumo frenético do fast fashion, em que tendências vêm e vão no passar de semanas e o consumo se tornou tentativa de supressão da ansiedade generalizada percebida na sociedade.

 

A percepção de sucesso na indústria da música também mudou. Ser lembrado por muito tempo não possui o mesmo peso para a juventude consumidora quanto o número de visualizações e reproduções nas plataformas de streaming e mídias sociais. Nessa mesma perspectiva, o consumo de peças de roupa de qualidade, feitas para durar uma vida toda perdeu espaço para o consumo desenfreado em que se consome simplesmente por consumir mudando o foco da qualidade para preços mais baixos. O que implica diretamente em questões sociais e ambientais de impacto, como desvalorização da mão de obra na indústria da moda, produção excessiva de resíduos têxteis, etc. - a lista se estende...

 

O paralelo entre música e moda, entendido aqui enquanto relação artística indissociável, nos permite perceber as mudanças não só nesses setores em específico, mas também em valores socioculturais e nos padrões de consumo e comportamento, Isso nos gera um alerta para o caminho que estamos seguindo. Será que a volatilidade do contemporâneo é algo a ser incentivado ou estamos trilhando um caminho irreversível para o colapso da arte, da cultura, do bem estar ambiental e para o esgotamento dos recursos criativos, materiais e naturais dos quais fazemos uso cada vez mais excessivo?

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